quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Acorda, amor

Acordo cedo por falta de sono

Pela falta de sonhos

Pelo ócio do subconsciente

Sem ter ao mínimo imaginado o que jamais aconteceria


Acordo cedo sem perder a hora

Sem deixar ninguém esperando

Nem o ônibus, nem o trem

Só a casa, ansiosa pelo dono pródigo


Acordo cedo sem a mínima vontade

Aliás, uma única vontade

Mandar tudo pelos ares

Por tão preciosas horas sob as cobertas


Acordo cedo pra desligar o despertador

Tomar banho dormindo

Trabalhar dormindo

E acordar às cinco e meia da tarde


Acordo tarde às vezes

Mas essas são raras


Acordo cedo porque meu filho chora

Dar leite, ninar

Cantar até ele pegar no sono

E eu tomar cuidado pra ele não acordar


Acordo cedo pra ir ver meu amor

Do outro lado da cidade

A viagem leva quarenta minutos

Mas a ansiedade faz durar uma hora e meia


Acordo cedo porque não tenho mais o que fazer

Vou ao jardim regar as plantas

Sentir o cheiro do orvalho

E talvez depois, por não ter nada mais pra fazer

Volte a dormir

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

VIXI !!!

Oie !

Tudo certinho ?

Bem também.

Senta aí.

Bora conversar.

Matar a saudade.

Rir.

Lembrar.

Rola uma breja ?

Gelada.

Mesmo com esse frio

No meio do calor.

Pega lá uma mesa.

Meia dúzia de copos.

Chama o povo.

Dá um gole.

Dança um pouco.

Dá um abraço.

Diz que considera demais

A galera aqui reunida.

E todo aquele blábláblá.

Acho que todo mundo já teve esse dia.

Diz que vai embora.

Que já passou da hora.

Que já perdeu a carona.

Toma mais um copo.

Chama o tio do bar de cafona.

Tenta planejar uma fuga

Pra escapar da conta.

Cantarola.

Insiste em ir embora.

Éh! Agora é a hora.

Do ultimo ônibus passar.

De correr pra pegar.

De não esquecer de nada.

De não trançar as pernas.

Não ir pro rumo errado.

Ei ! Tu mora subindo rua.

De nada, amigo é pra isso.

Pena não ter tirado foto.

Não ter gritado ‘espera!’.

Não ter visto a moto...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Passos

Estava bem quente para uma noite fria. Os passos nas poças que se formaram nas pedras quebradas da calçada faziam com que sua figura se estilhaçasse a cada pisada. Olhava para os lados rezando sua prece pagã e cética, esperando que um botequim qualquer estivesse aberto, afim de livrar-lhe da idéia. No máximo uma portinha entreaberta onde se via as pernas de pessoas que se agarravam. Não ousaria entrar lá, não era para sua laia. Considerava-se gente educada, mesmo com aquela idéia.

Chegou em uma avenida cheia de luzes, e, assustado, conferiu se nada aparecia pela jaqueta. Não. Continuou andando, mais preocupado a cada passo. Em cada movimento de sua perna vinha um tremor precedendo seu pisar. E cada tremor era uma idéia diferente. Pensava em perdão, ofensa, vingança e em quando foi a última vez que pensou nisso. A coragem ia diminuindo, deixando aumentar uma tensão que não sabia de onde vinha. Não fosse tão covarde tremeria menos.

Ia chegando, mas preferia não chegar e assumir a falta de peito para bater de frente com seu maior medo. Aproximava-se e estava certo de que dessa vez não poderia falhar. Havia planejado, pensado. Com a inteligência que adquirira no decorrer de sua vida, elaborou um plano infalível. Simples, mas infalível. Nada demais, até comum. Mas infalível.

Nunca havia machucado ninguém, sempre andara cauteloso, mas agora sua intenção era ferir, por mais que seus sentimentos por vezes quisessem negar isso. Abrir uma ferida tão profunda e incurável que pudesse matar. Era quando conseguia um pouco mais de coragem. A raiva tem dessas coisas.

Chegou ao destino, e estavam lá, como imaginava. Os três exatamente como da outra vez. Desgraçados. A ponte era o seu fim, a lâmpada que falhava era o seu momento, e o toldo amarelo, seu fracasso. Não fosse o último, já teria conseguido. Olhou para os lados certificando a solidão certeira, esperando o momento que a lâmpada se apagasse. Apagou. Tirou a arma da jaqueta e apontou para a cabeça, olhando a silhueta do toldo logo abaixo, com o pouco de luz que vinha das janelas das casas. Olhava. E olhava seus pés trêmulos. Ficou assim até a luz se acender novamente. Desesperado, guardou a arma. Sua garganta palpitava forte e sua mão suava. Respirava fundo, tomava ar para o próximo apagão. Sempre olhando o toldo. Apagou de novo. Fez o mesmo ritual, olhando o toldo fixamente. Ficou assim até a luz se acender de novo. Baixou a arma. Guardou-a no mesmo lugar, deu dois passos para trás, virou-se e foi embora. Mais uma vez derrotado pelo toldo amarelo.