segunda-feira, 20 de outubro de 2008

De verdade

Ela acometeu-lhe sem que antes tivesse percebido que se aproximara. A dor no peito não enganou, era saudade. Assim, tão desafinada, achara não ser. Inocente ser humano.

Esse sopro de agonia o fez andar mais rápido, querendo enganar o coração, justificando o passo largo e arisco como início da garoa que não molhava ninguém. Em um lapso, tudo vira lembrança, e cada detalhe transformou-se no dia em que fugiam do temporal no meio do sítio, depois de colher as pitangas do vizinho às escondidas. O tropeço no tijolo quebrado lembrou o momento em que escorregaram, e, em um pequeno período, relatado em câmera lenta por seu coração nostálgico, elas viraram gotas vermelho-amareladas que pelo céu misturavam-se com o azul-transparente, e, quando não mais tinham força para subir, desceram e viraram risos. E riu, no meio da cidade, da gente, do povo. Desfez o sorriso, achando que ainda enganaria o pobre coração.

Viu em sua frente o sítio. Desistiu de lutar, entregou-se e abriu a porta. Entraram aos risos, ele e seu pai. Sua mãe não entendia o motivo dos risos, mas mesmo assim continuava a preparar a carne com batatas, que já cheirava bem. Mandou-os lavarem-se, e eles apostaram uma nova corrida.  A reprovação estava na cara de todos no elevador. Arrumou o blazer e os cabelos, olhando fixamente pra porta, que ao se abrir mostrou a mesa posta, com sua mãe terminando o suco de pitangas do vizinho. Foi correndo pra mesa, mas ela o acertou com a colher e mandou que lavasse as mãos, mas nem sabia mais o que era realidade e o que era a danada da saudade. Até que queimou a mão lavando-a com o café.

Foi ao banheiro assustado, certificando que ninguém vira a cena. Os dedos incharam. Entrou, mas esqueceu-se de que olharia para o espelho. Lá parou, esqueceu-se da mão, do trabalho, da pressa e da garoa. Viu apenas a saudade de dias que jamais voltariam. Olhou seu pai nos olhos, pediu pra voltar. Mas esse o disse, com sábias palavras paternas:

– A saudade é a forma que Deus fez pra que aquilo que é essencial ao coração não morra jamais.

Ficou feliz por um instante, mas não poderia abraçá-lo. Sorriram e ele se virou pra sair do banheiro.

– Filho – disse a mãe – toma.

Sorriu de novo, pegou seu copo de suco, e foi trabalhar.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Fluxo Da Verdade

Ela é tudo.
É injusta
E egoísta...
É um bilhão de sabores,
É um céu que se olha devagarinho
Em uma só hora milhares de cores.
Ela me ajuda a relaxar.
Ela é só garganta...
Não é violenta.
Nem má...
É só um resultado...
Com olhos frios e castanhos.
Ela insiste em perguntar.
O céu parece uma sopa
As ruas são veias rompidas
A multidão faz o que fazem as multidões.
Olhei pra ela...
Me vi agarrada a um livro
A um pacote de almas
E a alguns trechos de canções
Tive vontade de parar.
Agachar-me.
Tive vontade de dizer:
- Sinto muito, menina.
Não me agachei.
Não falei.
Não ouvi.
Quando me lembro dela, vejo uma longa lista de cores.
Se quiser, venha comigo. Vou lhe contar uma história.
Nada sobre o fim do mundo, ou de amor e suas dores
Vou lhe mostrar uma coisa...
A invasão atordoante das idéias
Para estancar o fluxo da verdade
E libertar a voz tão contida
Cacos e pedaços de desespero flutuante
E de uma menina entorpecida.