segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Após longos anos

Qual foi a última vez que havia visto seu rosto, ela não sabia. Sabia apenas que não teria papo. Não nasceria assunto.

 “Oi, oi, tudo bem, tudo, e você, também, que tem feito, ah, me virado como dá, somos dois, ah...”

E assim poderia começar e terminar a conversa, quase que monólogo, de pessoas distantes fisicamente e perdidas sentimentalmente. Um sentimento que se perdeu entre nuvens e montanhas que antes lá não estavam. Agora era preciso mais que algumas palavras, onde necessidade não compete exatamente à possibilidade.

A garoa parecia ajudar o que já não era de fato confortável. E enquanto via pessoas passando através do vidro da cafeteria, ficava brincando com seu marca-páginas. Precisava descontar a ansiedade em algo. Os dois cafés chegaram. Um deles ficou morno, quase frio, dado o tempo entre sua chegada e  do toque da sineta na porta tocou, quando finalmente o convidado (in)esperado cruzou a entrada.

Ela fez que não viu, continuou tomando seu café como se estivesse totalmente concentrada, fingindo uma despreocupação, disfarçando a obsessão.

Ele sentou. O “oi” seco e sem sentimento foi a saudação mais cabível para ambos. Tomou o café em uma golada só e pediu mais dois.

- Oi.

- Oi.

- Tudo bem?

- Tudo, e você?

- Também.

- Que tem feito.

- Ah, me virado como dá.

- Somos dois.

- Ah...

Após um leve silêncio mútuo, quase universal, quisera ela que a conversa tivesse de fato parado por aí.

- Como assim, “ah”?

- Não sei, acho que desaprendi a conversar com você.

- Essas coisas desaprendemos?

- Aí está, não sei.

- Isso quer dizer que terei de conhecer-te de novo.

- Mas dessa vez eu não cairei na sua.

- Por isso você é perfeita.

- De perfeita, apenas sou perfeita idiota.

- Não comece.

- Já terminei.

- Posso ir então?

- Não precisava nem ter vindo.

- Vim pelo café, é o melhor dessas bandas.

- Ah é?

- Não, mas me divirto em falar o que você não quer ouvir.

- Boa diversão, o circo está montado.

- Pena que o palhaço sou eu.

Mais uma onda de silêncio foi suficiente para ele recomeçar.

- Faz quano tempo já?

- Cinco.

Ele riu para si mesmo:

- E ainda sabemos brigar, mas não conseguimos mais convesar.

- Essa sua ânsia por discussões você herdou do pai.

- Mas ele não me pareceu nada briguento ontem.

- Acha que fiz mal?

- Foi bom ter visto você, mas foi péssimo ser por poucos instantes.

- E a mãe?

- Ele não contou a ela , só a mim. Já bastam os terços infinitos que reza por sua volta.

- Pena que sou pagã.

- Pena.

E em mais um mar de silêncio, olharam-se, lembraram de quando brincavam juntos, das artes e tapas que juntos conquistaram, e do dia da despedida.

- Quando você volta?

- A volta é a renúncia das vontades e a regressão das atitudes. Voltar será matar meus desejos, assassinar minhas palavras e negar minha vida. Sigo em frente, e só.