Após longos anos
Qual foi a última vez que havia visto seu rosto, ela não sabia. Sabia apenas que não teria papo. Não nasceria assunto.
“Oi, oi, tudo bem, tudo, e você, também, que tem feito, ah, me virado como dá, somos dois, ah...”
E assim poderia começar e terminar a conversa, quase que monólogo, de pessoas distantes fisicamente e perdidas sentimentalmente. Um sentimento que se perdeu entre nuvens e montanhas que antes lá não estavam. Agora era preciso mais que algumas palavras, onde necessidade não compete exatamente à possibilidade.
A garoa parecia ajudar o que já não era de fato confortável. E enquanto via pessoas passando através do vidro da cafeteria, ficava brincando com seu marca-páginas. Precisava descontar a ansiedade em algo. Os dois cafés chegaram. Um deles ficou morno, quase frio, dado o tempo entre sua chegada e do toque da sineta na porta tocou, quando finalmente o convidado (in)esperado cruzou a entrada.
Ela fez que não viu, continuou tomando seu café como se estivesse totalmente concentrada, fingindo uma despreocupação, disfarçando a obsessão.
Ele sentou. O “oi” seco e sem sentimento foi a saudação mais cabível para ambos. Tomou o café em uma golada só e pediu mais dois.
- Oi.
- Oi.
- Tudo bem?
- Tudo, e você?
- Também.
- Que tem feito.
- Ah, me virado como dá.
- Somos dois.
- Ah...
Após um leve silêncio mútuo, quase universal, quisera ela que a conversa tivesse de fato parado por aí.
- Como assim, “ah”?
- Não sei, acho que desaprendi a conversar com você.
- Essas coisas desaprendemos?
- Aí está, não sei.
- Isso quer dizer que terei de conhecer-te de novo.
- Mas dessa vez eu não cairei na sua.
- Por isso você é perfeita.
- De perfeita, apenas sou perfeita idiota.
- Não comece.
- Já terminei.
- Posso ir então?
- Não precisava nem ter vindo.
- Vim pelo café, é o melhor dessas bandas.
- Ah é?
- Não, mas me divirto em falar o que você não quer ouvir.
- Boa diversão, o circo está montado.
- Pena que o palhaço sou eu.
Mais uma onda de silêncio foi suficiente para ele recomeçar.
- Faz quano tempo já?
- Cinco.
Ele riu para si mesmo:
- E ainda sabemos brigar, mas não conseguimos mais convesar.
- Essa sua ânsia por discussões você herdou do pai.
- Mas ele não me pareceu nada briguento ontem.
- Acha que fiz mal?
- Foi bom ter visto você, mas foi péssimo ser por poucos instantes.
- E a mãe?
- Ele não contou a ela , só a mim. Já bastam os terços infinitos que reza por sua volta.
- Pena que sou pagã.
- Pena.
E em mais um mar de silêncio, olharam-se, lembraram de quando brincavam juntos, das artes e tapas que juntos conquistaram, e do dia da despedida.
- Quando você volta?
- A volta é a renúncia das vontades e a regressão das atitudes. Voltar será matar meus desejos, assassinar minhas palavras e negar minha vida. Sigo em frente, e só.